FUNDAÇÃO COOPERATIVA

SOLIDÁRIA - GENsTE


“GESTÃO DE ESTUDOS E EMPODERAMENTOS 'NOVAS TRAQUINAGENS DE EROS'”

Outros

1-TEMÁTICAS DE BASE
 
.O existencialismo e o humanismo contemporâneos moriniano e a(s) gente(s)
.O CAPITALISMO, A CONDIÇÃO EXISTENCIAL HUMANA, A DIGNIDADE DA CONDIÇÃO EXISTENCIAL HUMANA E  A INDIGÊNCIA - As condicionantes existenciais das gentes -O lucro acima da vida?- o valor da vida totalmente voltado para lucros, a mercantilização da vida - e -a influência do capitalismo na educação e o capitalismo cultural vigente
 .A cultura capitalista, cultura da Falta e do Excesso[1]
 
      “O capitalismo pode colocar um rosto alegre em um pedaço de merda e vendê-lo,
porém, a merda continuará sendo merda e continuará fedendo.” (...)
 
“... os jovens em protesto. É a vida deles que está em jogo e, se não a deles, pelo menos
a saúde mental e capacidade de funcionamento deles como seres humanos livres de
mutilações. O protesto dos jovens continuará porque é uma necessidade ‘biológica.’
‘Por natureza’, a juventude está na primeira linha dos que vivem e lutam por
Eros contra a Morte e contra uma civilização que se esforça por encurtar o ‘atalho
para a morte’, embora controlando os meios capazes de alongar esse percurso.
Mas na sociedade administrativa, a necessidade biológica não redunda
imediatamente em ação; a organização exige contra-organização [a cultura estabelecida,
a cultura capitalista, exige contra-cultura]. [Ainda]
Hoje, a luta pela vida, a luta por Eros, é a luta política.” (Marcuse, 1999: 23)
 
 
           O capitalismo é um modo de vida  e como tal gerador de cultura, a cultura capitalista, que incorporada ao nosso modus vivendis cotidiano - o modo de vida capitalista contemporâneo -, é a realização, a concretização, de uma cosmovisão cujos elementos básicos fundantes, plenamente articulados entre si, identificamos como sendo: - o egoísmo / o egocentrismo, - o individualismo, - a competição, - a monetarização ou economicismo, - a mercantilização, - o possessismo, - o consumismo, - o imediatismo, - o superficialismo, - o utilitarismo, - o pragmatismo, - o realismo, - o materialismo, - a alienação, - o fetichismo, - o narcisismo, - o hedonismo.
        A Profª Olgária Matos (op. cit. - nota 18) afirma ainda em seus estudos, que “a cultura capitalista é a da simbiose entre economia e cultura e se constitui pela dessublimação repressiva de desejos [ ], pela ilimitação do consumo e pela produção permanente de carências e falta, determinando uma cultura do excesso, de tal forma que a sociedade de mercado atual conduz à incivilidade”[2] .
 Ou seja, segundo nossa perspectiva, a cultura capitalista é a Cultura da Falta e do Excesso, portanto, em um constante e paradoxal desequilibro, e que nos conduz à barbárie.
         Neste sentido, a flagrante incompatibilidade entre os princípios fundamentais da cultura capitalista e o princípio do Amor é inequívoca e irrefutável. Pois os princípios basilares da cultura capitalista atuam, como veremos, de tal modo articulados na complexa dinâmica entre Eros e Thanatos, que acabam por induzir e estimular modos de relações humanas e comportamentos que desprezam e aniquilam a vida [numa necrópolis, a cultura da morte][3] o amor, a solidariedade, a compaixão etc., enfim, qualquer valor que não seja útil para o bom desempenho da máquina capitalista em seu processo de mercantilização da vida e das criações humanas.
         Como já amplamente estudado e afirmado no capitalismo tudo é visto como mercadoria e como tal pode ser mercantilizado, tudo pode ser posto no mercado e comercializado, para ser comprado e vendido, basta apenas calcular e colocar um preço, um valor monetário, porque há mercado até mesmo para a vida humana (inteira ou “em pedaços”), para o erotismo e a sensualidade, utilizando-se, ainda, dos sentimentos e das afeições, dos desejos e sonhos também como ingredientes para obtenção do lucro. Assim, o princípio do Amor não está apenas ausente da engrenagem social do capitalismo; este modo de vida prescinde totalmente dele para se expandir e tornar-se hegemônico no mundo, visto que é precisamente no estímulo ao egoísmo, a antítese do amor, que ele tem lubrificado suas engrenagens [fazer ref.].
             Conforme ressalta ...?? há um terrível e fatal ciclo vicioso do egoísmo na sociedade capitalista.  E, para melhor compreendê-lo, é bom lembramos que no capitalismo o principal modo de inserção social ocorre por meio da relação de troca no mercado de trabalho que, de modo geral, tornar-se-á parâmetro para as demais relações sociais.
Ainda, até curiosamente, mas não por mera coincidência, a sociedade capitalista baseia-se na convicção de que os “vícios privados” [individuais] geram as “virtudes públicas”, ou seja, “graças à “Mão Invisível” a busca de cada um por sua própria realização permite que todos se realizem “[fazer ref.]. A competição, resultante da livre concorrência, ao possibilitar o ótimo desempenho das leis de oferta e procura o faz de modo que o sistema de preços sinaliza “as boas e acertadas” escolhas que cada um dos agentes nela inserido, os indivíduos, realizarão, tendo por objetivo maximizar a consecução de seus propósitos, prazeres, enfim, de seu bem-estar, da sua satisfação e felicidade.
          Como vimos, trata-se, portanto, de uma engrenagem social e uma cultura que se nutrem da competitividade, do individualismo e do egoísmo, introjetando e estimulando esses valores no ser humano.
       Também, para adentrar ao mundo social e satisfazer suas necessidades e desejos, o homo aeconomicus rende-se ao trabalho rotineiro e alienado, tornando-se peça de uma engrenagem cujos fins, num primeiro momento, não lhe importa se sejam “flores ou canhões” (fazer referência) -, já que seu objetivo principal é o salário, isto é, obter dinheiro e, por meio dele, mercadorias, bens, serviços, propriedades etc.
       Em decorrência desta forma de inserção no mundo social e de satisfação de necessidade e desejos, os indivíduos desenvolvem uma visão monetarista ou economicista, na qual o dinheiro, o capital, o lucro, são tomados “como medida de tudo e de todos, de modo que a aceitação das pessoas depende do que consomem e possuem; a cultura capitalista nos ensina a aplicar todo o tempo na obtenção de lucro”, vantagens e facilidade (obter o máximo, com o mínimo de esforço; fazer o mais fácil e não o melhor etc.) e o estímulo ao modo de viver preocupando-se somente com o aqui e o agora.
          Como no mercado de trabalho ou no mercado de bens e serviços, as relações são construídas a base de troca e passam a ser parâmetros para as relações humanas. Assim, a própria vida social acaba por constituir-se em uma “imensa rede de trocas cujo resultado é uma” imensa acumulação de mercadorias” “onde cada membro, individualmente e em atitude de rivalidade e competição no sistema capitalista, acredita que tem a liberdade de realizar solitariamente (e não solidariamente) seus projetos de vida.
       O resultado final é “uma sensação de vazio, de incompletude, uma insatisfação com o sentido da própria existência, um certo sentimento de hostilidade contra o mundo, as pessoas, a vida e uma igual sensação de que tudo lhe é hostil; e ainda uma indignação ao perceber que as promessas de um mundo de abundância e desenvolvimento para todos não se cumprem. Nem todos podem ter acesso aos mercados e a acumulação sem limites põe em risco a capacidade do Planeta fornecer seus recursos e suportar os dejetos do materialismo. A perda de sentido da vida é decorrência do fato de que, entregue à rotina de trabalho, as pessoas tem suas potencialidades humanas subutilizadas e estagnadas e assim, a única busca de prazer passa a ser o consumo do superficial, do divertimento que nada mais é que entretenimento fugaz, consumo [da produção cultural de massa] daquilo que está pronto e não precisa gastar mais tempo ainda para produzi-lo” e,  acrescentamos,  do prazer relativamente fácil, obtido também através do consumo de drogas, de sexo e outras mercadorias. 

[1]-Ver a versão do mito, no qual os pais de Eros são Penúria-Parcimônia e ...-Expediente ...
[2] (Revista USP, número 74, dossiê Pensando o futuro Humanidades)
[3] Ver recentemente 2020-2021, no contexto mundial e brasileiro.
 
.Cultura, transgressão, (a)normalidade, marginalidade e educação – complexidade e imaginário na compreensão das (des)razões de ser homo sapiens sapiens e demens  [Edgar Morin]
.O universo imaginário da (in)completude  / (não) plenitude do ser humano -  o ciclo mítico do desejo e -a grande saga da humanidade, da existência e condição humanas (individual e-ou coletiva) .[Base teórico-metodológica: estudos, pesquisas e produção escrita sobre Imaginário, Cultura e Metodologias]
.A ATRIBUIÇÃO DE SENTIDOS E SIGNIFICADOS, AS BUSCAS E ESCOLHAS - Geração, Gestação e Gestão
 
2-O IMAGINÁRIO COMO DINAMISMO ORGANIZADOR E A EDUCAÇÃO COMO PRÁTICA SIMBÓLICA*
 
Maria Cecília Sanchez Teixeira**
 
O gênio do sapiens está na intercomunicação entre o imaginário e o real, lógico e o afetivo, o especulativo e o existencial, o inconsciente e o consciente, o sujeito e o objeto, razão de todos os extravios, confusões, erros, devaneios, demências, mas razão, também, em virtude dos mesmos princípios operando sobre os mesmos dados, de todos os conhecimentos profundos, todas as sublimações e invenções nascidas do desejo. (Edgar Morin)
O objetivo dessa exposição é contribuir para uma reflexão sobre as relações entre imaginário, organização e educação, tema desta mesa-redonda. Para isso, explicitarei inicialmente, dentro do quadro epistemológico ampliado do paradigma da complexidade no qual trabalho, os significados de tais noções e, a seguir, mostrarei a sua fertilidade epistemológica para as pesquisas em educação.
O fio condutor da minha exposição será a noção de polaridade, que implica a de complexidade, cujo princípio básico é a recursividade organizacional (relação complementar, concorrente e antagonista) entre os elementos de um sistema, de acordo com Morin (1980).
Dois exemplos ilustram o que vamos entender por complexidade. Um deles se refere à seqüência do código genético. Em um artigo publicado na Revista da FAPESP (2001) intitulado: Golpe no orgulho vão, seus autores, Carlos Fioravante e Marcos Pivetta, mostram que a grande descoberta do Projeto Genoma é que, a evolução do homem na escala zoológica se deve não à quantidade de pares de genes, mas à complexa relação que se estabelece entre eles. Num gráfico comparativo mostram que o homem tem 3,2 bilhões de pares de genes, enquanto que a ameba tem 670 milhões. Perguntam, então: como com tão poucos pares de genes, o homem pode evoluir tanto, enquanto a ameba continuou no mesmo patamar evolutivo? Concluem os autores que a variabilidade humana é decorrência das complexas interações entre os genes, ou seja, da sua competência organizacional.
Outro exemplo vem da teoria do caos, que postula a existência de sistemas não -lineares. De acordo com ela, sistemas não-lineares são ...sistemas dinâmicos cujo comportamento pode ser descrito somente se se levar em conta a interação dos componentes dentro do sistema e não apenas a soma das qualidades do sistema. (Alvarez, 1996: 141). Em decorrência da interação, tais sistemas apresentam sensível dependência às condições iniciais, ou seja, a menor variação no princípio tem conseqüências imprevisíveis num futuro distante. O exemplo mais conhecido é do enxame de borboletas que, ao bater as asas sobre o golfo do México, produz tempestades na Islândia (idem).
Tais exemplos evidenciam o que Morin (2001) entende por complexus, ou seja, o que foi tecido junto. Isto significa que só há complexidade quando elementos diferentes, porque tecidos juntos, se tornam inseparáveis, constituindo um todo, um sistema, no qual as partes constituem uma unidade complexa – unitas/multiplex. É importante marcar que a noção de sistema de Morin (1980) se distancia da noção funcionalista e reducionista veiculada na década de sessenta. Enquanto esta última reduz as propriedades das partes às propriedades do todo, simplificando o problema da unidade complexa, aquela parte do pressuposto de que o sistema se constitui a partir da articulação, da organização e da unidade complexa. O sistema é uma complexão, ou seja, um conjunto de partes diversas inter-relacionadas (Morin, 1977). Nessa perspectiva, vamos entender a organização como um sistema auto-organizado complexo.
A noção de polaridade nos auxiliará, então, a compreender melhor a organização. Para tratar da polaridade, vou me valer do uso epistemológico que G. Durand (1980) faz dessa noção para mostrar o dinamismo das estruturas do imaginário, entendido como um sistema dinâmico organizador de imagens.
O pólo é um conceito eletromagnético que implica mais uma dinâmica de orientação de forças do que uma estática de direção de espaço. Semanticamente essa noção carrega um sentido dinâmico. Polaridade significa homogeneização de pólos atratores num campo heterogêneo. A homogeneização dos pólos é subentendida por uma heterogeneidade constitutiva do campo, ou seja, a homogeneidade dos pólos se separa e se desvia da heterogeneidade do campo. Polaridade significa, portanto, homogeneização de pólos atratores num campo heterogêneo.
A noção de polaridade coloca em evidência o caráter dinâmico de toda estrutura e de toda organização, cujas relações são sempre polares. Em última instância, é o dinamismo que garante a interação entre os elementos de um sistema e, portanto, a sua organizacionalidade.
Segundo Durand (1980), epistemologicamente, a polaridade impede que se atribua a um ou outro pólo o papel hegemônico de fator dominante, garantindo um equilíbrio entre os pólos, que só podem ser concebidos em pares de valores diferentes e antagonistas, de tal modo que as relações polares são sempre instáveis e tensionadas, produzindo um dinamismo organizador. É a tensão entre os pólos que garante a polaridade. A supressão da tensão antagonista produz uma monopolização homogeneizante de um dos pólos, provocando uma despolarização do outro. Em outras palavras, provoca a ruptura da tensão antagonista em proveito de um dos pólos.
Por isso, Durand (1980) entende que o dinamismo polar se fundamenta em três noções básicas: a mudança, que impede a confusão entre pólo e tipo[1], a coesão antagonista e enfim a degenerescência patológica do dinamismo. São essas noções que constituem e marcam, em última instância, o devir do homem, da sociedade e das civilizações.
Dessa forma, no domínio mental, tanto individual como coletivo, só há verdadeira polaridade quando há tensão heterogênea entre sistemas de representação separadamente homogêneos, como é o caso, por exemplo, das estruturas antropológicas do imaginário, como veremos logo mais. Portanto, a noção de polaridade subentende as de pluralidade e organicidade.
Assim, entendo que a fertilidade dessa noção reside no fato de ela permitir a passagem de uma visão estática a uma concepção dinâmica, seja dos sujeitos, seja das organizações, entendidas como complexos de pólos antagonistas.
No entanto, quando um dos pólos é inflacionado e se torna hegemônico, rompe-se a relação de complementaridade e de antagonismo entre eles. Tomemos como exemplo o que ocorreu na sociedade ocidental moderna quando se monopolizou a razão e o intelecto em detrimento da imaginação e do sentimento.
Para se restabelecer o equilíbrio entre o intelecto e o afeto, separados pela razão abstrata, na modernidade, torna-se necessário trabalhar as polaridades, em recursividade, em sua tensão dinâmica, o que pressupõe um pensamento implicativo que integre à “razão abstrata” monopolizada, a sensibilidade despolarizada, constituindo o que Maffesoli (1998) chama de “razão sensível”. Sem deixar de lado o rigor científico, isto significa restabelecer a tensão antagonista entre essas duas dimensões da razão, para garantir uma relação equilibrada e dinâmica.
Ao pretender abarcar tudo, a razão preparou o caminho para o retorno da sensibilidade reprimida. Por não ser sensível à força do seu contrário, o racionalismo não sabe integrá-lo para temperar a sua pulsão hegemônica (Maffesoli, 1998) e com isso vem perdendo espaço. Em outro termos, e lembrando Bachelard (1990), poderíamos dizer que a uma “dialética da razão” se vem acrescentar uma “dialética da imaginação”, que havia sido rejeitada pela mentalidade cientificista da modernidade.
Como se vê, a noção de polaridade nos permite, também, compreender a crise da ciência moderna e o retorno de modos de pensar por ela rejeitados.
A partir dessa noção Durand (1980) afirma que a separação entre razão e imaginação decorreu de um processo de mono-polização da razão em detrimento da imaginação, considerada a “louca da casa”. Nesses termos, é falsa a separação entre razão e imaginação, pois o simbólico se inscreve de maneira profunda na alma humana.
Ancorado numa lógica dialógica, do tertium datum[2], lógica que se aproxima da intuição imemorial da gnose, Durand (1995:20) entende que
...não há um corte separando o sujeito do objeto, o imaginário da razão, o sagrado do profano. Não porque um dos termos de nossos dualismos ancestrais se reduziria ao outro, mas porque são ambos significantes de um mesmo significado – tertium datum – que os estrutura aos dois.
O terceiro termo, ou seja, o significado é, em última instância, o que Durand (1998) chama de “humano absoluto”, ao mesmo tempo irredutivelmente único e plural e que, no meu entender, nada mais é do que o Sentido. Buscar o sentido é o aprendizado, inscrito no grande círculo desenhado pela polaridade, que nunca se completa:
(...) Por que buscamos
coerência e sentido?
Por que buscamos a
a ponte e a passagem?
Que dêem acesso a todos os outros –
           e seus mistérios? (Beatriz Fétizon: 2001:45)
Buscar Sentido, encontrar o significado, nos remete à dimensão do simbólico, pois simbolizar significa descobrir o sentido. É própria do ser humano a atitude simbolizadora. Segundo Hollis (1997) os homens apresentam, como parte de sua constituição essencial, um processo de natureza estruturante que lhes permite ordenar o caos, estabelecendo um relacionamento significativo com o mundo.
Ao impor, através dos mitos, uma estrutura ao caos aparente, o imaginário coloca o homem em relação de significado com o mundo, com o Outro e consigo mesmo. O imaginário é um mapa com o qual lemos o mundo, pois o real é uma construção imaginária.
Nessa organização imaginária, cabe à imagem, entendida como representação concreta, sensível, de um objeto material ou ideal, presente ou ausente do ponto de vista perceptivo, (Wunenburger:1997), um papel eminentemente mediador e relacional, evidenciando o dinamismo do imaginário.
As imagens são produzidas no “trajeto antropológico”[3], que nada mais é do que relação, trajetividade, entre os pólos biopsíquico (pulsões subjetivas) e sociocultural (intimações do meio). O trajeto põe em relação uma representação ou atitude humana, aquilo que vem do psicofisiológico, e o que vem da sociedade e da sua história, impedindo “epistemologicamente”, a dominância de um sobre o outro (Durand, 1980). Da mesma forma, resolve o problema da anterioridade ontológica de um dos pólos, pois postula, de uma vez por todas, segundo Durand (1997), a gênese recíproca que oscila do gesto pulsional ao entorno material e social e vice-versa. É na trajetividade que a representação do objeto se deixa assimilar e modelar pelos imperativos pulsionais do sujeito e, reciprocamente, as representações subjetivas explicam-se pelas acomodações anteriores do sujeito ao meio objetivo. A pulsão individual tem sempre um “leito social” no qual corre facilmente ou, pelo contrário, luta contra os obstáculos, de modo que o sistema projetivo da libido nunca é pura criação do sujeito, uma mitologia pessoal (Durand, 1997).
As imagens aglutinam-se, no imaginário, em torno de núcleos organizadores da simbolização que são polarizados. Em cada núcleo, ou pólo, há uma força homogeneizante, ordenadora de sentido, que organiza semanticamente as imagens, configurando-as, miticamente, em três estruturas básicas, que gravitam em torno de três esquemas matriciais: heróico (separar), místico (incluir) e sintético (dramatizar). O primeiro põe em ação imagens e temas de luta (do herói contra o monstro, do Bem contra o Mal), o segundo, imagens assimiladoras e confusionais, e o terceiro põe em conjunto imagens divergentes, integrando-as numa ação.
Nessa perspectiva, o imaginário não é um simples conjunto de imagens que vagueiam livremente na memória e na imaginação. Ele é uma rede de imagens na qual o sentido é dado na relação entre elas, as quais organizam-se de acordo com uma certa lógica, uma certa estruturação, de modo que a configuração mítica do nosso imaginário depende da forma como arrumamos nele nossas fantasias. É dessa configuração que decorre o nosso poder de melhorar o mundo, recriando-o cotidianamente, pois o imaginário é o denominador fundamental de todas as criações do pensamento humano (Durand, 1997).
Nesse sentido, o imaginário é um dinamismo equilibrador que se apresenta como a tensão entre duas “forças de coesão” de dois “regimes” – o diurno e o noturno - [4], cada um relacionando as imagens em dois universos antagonistas (o heróico e o místico); estes se acomodam, no estado médio e normal da atividade psíquica, em um outro universo – o dramático. Neste, as imagens antagonistas conservam a sua individualidade, a sua potencialidade e só se reúnem no tempo, na linha narrativa, num sistema, e não propriamente numa síntese (Durand, 1988)[5].
A partir dessas considerações sobre o imaginário como dinamismo organizador, fica evidente que organização é aqui entendida, com Morin (1977: 103) como
Um agenciamento de relações entre componentes ou indivíduos que produz uma unidade complexa ou sistema dotado de qualidades desconhecidas ao nível de seus componentes ou indivíduos. A organização liga de maneira interrelacional os elementos, acontecimentos ou indivíduos diversos que desde então tornam-se componentes de um todo. Ela assegura solidariedade e solidez relativa a essas ligações, assegurando, pois ao sistema uma certa possibilidade de duração a despeito de perturbações aleatórias. Portanto, a organização: transforma, produz, religa e mantém.
Em outras palavras, entendo a organização como uma rede de relações simbolicamente construída com a mediação da imagem. Então, podemos dizer que a imagem está no coração da organização e que organizar é uma forma de o ideal marcar o real social.
Eu falava ainda há pouco, da “razão sensível” e lembro agora que a imagem, seja qual for o seu conteúdo é sempre emocional, sensível e estética. Ela favorece o sentir coletivo, a aisthesis, sendo, por isso, mediadora e organizadora.
Como a imagem é religante, ela funda a socialidade[6] dos grupos, que se constituem através da partilha de ideais, ideologias, emoções, crenças, mitos, valores, ou seja, tudo o que é do domínio do imaginário. Em outras palavras, podemos dizer que os grupos são sistemas simbólico-organizacionais que tecem redes de relações, que atribuem significado à sua existência. Ou seja, é a dimensão simbólica que cimenta a socialidade dos grupos.
Ora, como a cultura é o universo das mediações simbólicas, no qual são tecidas as teias de significados, é a ela que cabe a função de organizar os grupos. Isto se faz por meio das práticas sociais que são, nessa perspectiva, práticas simbólico-organizacionais. Elas são simbólicas porque mediadas pela imagem. São manifestações de um universo imaginário numa práxis, através de um sistema sociocultural e de suas instituições (Paula Carvalho, 1991). Sua função é organizar a socialidade dos grupos, na medida em que criam vínculos de solidariedade e de contato. São elas que criam as redes de significados. Nesse sentido, toda prática simbólica é organizacional e educativa. É o seu caráter organizacional que lhe confere o sentido educativo. Organizar é, pois, por meio das práticas simbólicas, educar.
Nessa perspectiva, a educação, como prática social é a prática simbólica basal que sutura as demais práticas simbólicas. É ela um elemento de coesão e integração no universo social polarizado. É a tensão paradoxal entre os pólos que garante a tonicidade de uma sociedade; se esta não sabe lidar com a tensão e nega um dos pólos, corre o risco de ver explodir, catastróficamente, o elemento que negou, que despolarizou. Portanto, buscar a conciliação dos contrários é a única maneira de se construir um mundo coerente e consistente.
Eis o desafio que o pensamento complexo e as polaridades colocam às pesquisas em educação. São conceitos epistemologicamente férteis para a compreensão tanto do ser humano, como da sociedade, marcados pela complexidade e multiplicidade irredutíveis.
E prestando atenção aos sinais dos tempos é possível perceber, tanto o esgotamento dos mitos que deram sustentação à modernidade e à lógica da exclusão – o velho Prometeu e seu séquito –, como o afloramento de outra estrutura mítica e de outros deuses – Dionísio e Hermes –, este último fazendo a mediação entre os opostos, permitindo o pensamento inclusivo e configurando outras formas de organizar e, portanto de educar. A “pedagogia heróica” da modernidade estaria cedendo lugar a uma “pedagogia da sensibilidade”, como diz Ferreira Santos (1998)? Estaríamos passando de um regime diurno, de uma estrutura heróica da separação e da exclusão, dominante na modernidade, para um regime noturno, para uma estrutura dramática que polariza as imagens heróicas (excluir) e místicas (incluir)?
Para terminar, gostaria de lembrar duas implicações filosóficas da estrutura dramática do imaginário, já vislumbradas por Beatriz Fétizon, estudiosa da filosofia e educadora, em suas instigantes e sempre atuais reflexões sobre o homem e sobre a educação, pois em última instância, o que está em jogo é sempre o ser humano:
É sem dúvida um dos mais complexos e brilhantes desempenhos do ser homem (e um dos mais apaixonantes também) o esforço de conciliação, nem sempre consciente – mas contínuo – exercido para criar um mundo consistente que não se desfaça a cada instante pela pressão dos irreconciliáveis e pelo efeito destruidor das exclusões. (Fétizon, 1977:15)
E, porque o homem busca sem cessar tal conciliação? Não será porque ela faz parte da sua própria humanidade? Ou como diz, outra vez, Fétizon (1977:15 ):
... pode-se construir um homem pela metade e ainda assim se ter um homem? Pode-se construir uma nova Humanidade – que não seja outra Humanidade e, portanto, inumana? (...) formada de homens amputados de uma de suas dimensões próprias, essa ainda seria “humanidade”? Ainda a busca da humanidade.
Vou parando por aqui e deixo as perguntas para serem respondidas por cada um de vocês, lembrando que, como diz nossa autora, a pergunta pelo eu só se responde pelo outro, portanto, na relação.
BIBLIOGRAFIA
ALVAREZ, A . Noite, a vida noturna, a linguagem da noite, o sono e os sonhos. São Paulo: Companhia das Letras, 1996.
BACHELARD, Gaston. A terra e o devaneio do repouso, ensaio sobre as imagens da intimidade. São Paulo: Martins Fontes, 1990.
DURAND, Gilbert. A fé do sapateiro. Brasília: Editora UnB, 1995.
DURAND, Gilbert. A imaginação simbólica. São Paulo: Cultrix, 1988.
DURAND, Gilbert. As estruturas antropológicas do imaginário. São Paulo: Martins Fontes, 1997.
DURAND, Gilbert. Campos do imaginário. Lisboa: Instituto Jean Piaget, 1998.
DURAND, Gilbert. L’Âme tigrée. Paris: Denoël, 1980.
FERREIRA SANTOS, Marcos.  Práticas Crepusculares: Mytho, Ciência & Educação no Instituto Butantan – Um estudo de caso em Antropologia Filosófica. São paulo: FEUSP, tese de doutoramento, 2 vols., 1998.
FÉTIZON, Beatriz. ‘Objeto’ e ‘objeto’, Jornal O Estado de São Paulo, Suplemento Cultural, p. 14 e 15, 01/05/1977.
FÉTIZON, Beatriz. À propósito de Dostoievski e Claude Roy, Jornal O Estado de São Paulo, Suplemento Cultural, p. 15, 09/07/1977.
FÉTIZON, Beatriz. Cadernos de muitas épocas (sem indicação de quais sejam). Texto inédito, 2001 (dig.).
FIORAVANTI, Carlos & PIVETTA, Marcos. Golpe no orgulho vão. Revista Pesquisa FAPESP, no. 62, março, p. 24-33, 2001.
HOLLIS, James. Rastreando os deuses, o lugar do mito da vida moderna. São Paulo: Paulus, 1997.
MAFFESOLI, Michel. A sombra de Dionísio, contribuição a uma sociologia da orgia. Rio de Janeiro: Graal, 1985.
MAFFESOLI, Michel. Elogio da razão sensível. Petrópolis, 1998.
MORIN, Edgar. La méthode I. La nature de la nature. Paris: Seuil, 1977.
MORIN, Edgar. La méthode II La vie da la vie. Paris, Seuil, 1980.
MORIN, Edgar. La méthode II. La vie de la vie. Paris: Seuil, 1980.
MORIN, Edgar. Os sete saberes necessários à educação do futuro. São Paulo: Cortez, Brasília: UNESCO, 2001.
PAULA CARVALHO, José Carlos. Culturanálise de grupos: posições teóricas e heurísticas em educação e ação cultural. São Paulo: FEUSP, Ensaio de Titulação, 1991 (dig.)
SANCHEZ TEIXEIRA, M. Cecília. Os paradoxos sociais na pós-modernidade. Cadernos de Educação, Cuiabá:EdUNIC, vol. 2, nº 1, p. 15-35, 1998.
WUNENBURGER, Jean-Jacques. Philosophie des images. Paris: PUF, 1997.

**Professora Associada da Faculdade de Educação da USP e Professora Titular do Mestrado em Educação da UNIC
[1] Em inúmeros textos, Durand faz a crítica à tipificação, tentativa de classificação, que corre o risco de se tornar uma simplificação caricatural, além de impossibilitar a comunicação entre as classes.
[2] O tertium datum nos remete ao conceito de unitas/multiplex, pois este se funda na mesma lógica dialógica que junta num todo a unidade que exclui e a multiplicidade que inclui.
[3] De acordo com Durand (1997), o “trajeto antropológico” é a troca incessante que existe, ao nível do imaginário, entre as pulsões subjetivas do indivíduo e as intimações do meio cósmico e social.
[4] O regime diurno é o da antítese; os monstros hiperbolizados são combatidos por meio de símbolos antitéticos: as trevas são combatidas pela luz e a queda pela ascensão. O regime noturno é o da antífrase, está constantemente sob o signo da conversão e do eufemismo, invertendo radicalmente o sentido afetivo das imagens (Durand, 1997:67, 197).
[5] É importante lembrar que, para Durand (1980:53), esses pólos devem ser considerados sempre como linhas de força de coesão e jamais como tipologias psicológicas ou sociológicas.
[6] Socialidade é aqui utilizada no sentido que lhe dá Maffesoli (1985), ou seja, como experiência social compartilhada pela multiplicidade de redes formadas por pequenos grupos no cotidiano. Refere-se ao “estar junto” que supera a simples associação racional, usualmente expressa pelo termo social.
 
3-IDEÁRIO E IMAGINÁRIO NO BRASIL

Marco Antônio Dib

A-O utopismo (idealismo) x o realismo (pragmatismo): imaginário, ideologia e praxeologia-“praxiário” - na formulação e implementação das políticas públicas da educação brasileira

Os regimes de imagens, as dominantes reflexas, as estruturas actanciais, as epistemologias, os ideários e as ideologias

REGIME DIURNO
REGIME NOTURNO
DOMINANTE POSTURAL
DOMINANTE COPULATIVA
DOMINANTE
DIGESTIVA
HERÓICA
SINTÉTICA
MÍSTICA
CINDIR
LIGAR
FUNDIR
MATERIALISMO
REALISMO
POSITIVISTA
(OBJETIVISMO)
1-Sistema de pensamento que afirma a existência de uma realidade exterior independente de suas representações na mente ou na consciência.
2-Designação genérica de diferentes doutrinas que negam a precedência da consciência sobre o ser e da realidade ideal sobre a realidade material.
3-Designação genérica de diferentes doutrinas que afirmam a precedência do ser sobre a consciência e da realidade material sobre a realidade ideal.
(trata-se, portanto, de um idealismo “autista”)
MATERIALISMO
DIALÉTICO
Filosofia criada por Karl Marx em colaboração com Friedrich Engels. Inverte o idealismo de Hegel e distingue no processo dialético três instâncias: tese, antítese e síntese.
IDEALISMO
DIALÉTICO
o idealismo de Hegel
IDEALISMO
POSITIVISTA
(SUBJETIVISMO
)
1-Sistema de pensamento que nega a existência de uma realidade exterior independente de suas representações na mente ou na consciência.
2-Designação genérica de diferentes doutrinas que afirmam a precedência da consciência sobre o ser e da realidade ideal sobre a realidade material.
3-Designação genérica de diferentes doutrinas que negam a precedência do ser sobre a consciência e da realidade material sobre a realidade ideal.
(trata-se, portanto, de um realismo “sensorial”)
ESPIRITUALISMO
 

 

 
 
B-Brasil Imperial
DO
SEC.
XVIII
AO
SEC.
XIX
CONHECER PARA TRANSFORMAR
E
S
C
O
R
R
E
N
C
I
A
S
ESCLARECER PARA REFORMAR
DOUTRINA POSITIVISTA
(CIENTIFICISMO)
DOUTRINA LIBERAL
(LIBERALISMO ECONOMICO E POLITICO)
1A
 METADE DO SECULO X
I
X
D
O
S
E
C
U
L
O
X
I
X
A
O
S
E
C
U
L
O
X
X
A ORDEM
A LIBERDADE
O PROGRESSO
(NA EUROPA
E O)
REGRESSISMO NO BRASIL
2A
METADE DO SECULO X
I
X
A TRANSICAO DO TRABALHO SCRAVO PARA O TRABALHO ASSALARIADO NO BRASIL
AS CRISES – AS FISSURAS
.RELIGIOSA
.MILITAR
.POLITICO-ECONOMICA .E POLITICO- IDEOLÓGICA
CATOLICISMO
(ESTRUTURA IMAGINAL MAIS PROFUNDA)
O MILITARISMO
POSITIVISTA
O LIBERALISMO-CONSERVADOR
BRASIL-REPÚBLICA
ORDEM E PROGRESSO
Nenhum resultado encontrado!